O Boeing 787 é o avião comercial mais sofisticado de todos os tempos. Sua criação levou sete anos, consumiu US$ 32 bilhões e exigiu o trabalho de 46 empresas, além da própria Boeing. O resultado é uma maravilha de engenharia, com 2,3 milhões de peças.
Mas apenas uma foi suficiente para desmontar todo o projeto - e fazer com que o 787 ficasse proibido de voar, em qualquer lugar do mundo, durante três meses e meio. A culpa não era das turbinas ou dos computadores de bordo. Era de algo bem prosaico: a bateria, que começou a dar problemas (em quatro casos, pegou fogo). É que a Boeing tinha decidido usar baterias de lítio, como as presentes em nossos celulares, tablets e notebooks, para alimentar os sistemas elétricos do avião.
O problema foi corrigido, e hoje o 787 voa tranquilamente. Mas o caso mostra bem o papel das baterias no mundo tecnológico. Elas são o ponto fraco. Vivem nos deixando na mão. Quantas vezes o seu celular pifou na rua - ou você ouviu dizer que os carros elétricos ainda não "pegaram" porque as baterias são muito fracas?
Elas estão sempre aquém do ideal. Muito aquém, na verdade. A cada 18 meses, os chips de computador dobram de velocidade. Esse fenômeno foi descrito pela primeira vez em 1965 por Gordon Moore, então presidente da Intel, e ficou conhecido como Lei de Moore. Já as baterias...
Nesse mesmo período, sua capacidade aumenta apenas 7%. Isso significa que elas levam 20 anos para alcançar a mesma evolução que os chips têm em um ano e meio. Mas por que é assim, afinal?
Os chips melhoram rápido porque podem ser miniaturizados. Na CPU do seu computador, há bilhões de transistores - espremidos no espaço de um selo.
Com as baterias, não é assim. Elas funcionam graças a reações entre elementos químicos - que não podem ser miniaturizados. O material de que a bateria é feita tem determinada capacidade de reter energia - e não há muito que possamos fazer para melhorar. "Isso é determinado pela natureza", resume Winfried Wilcke, diretor de pesquisas em nanotecnologia e energia da IBM. As baterias só dão saltos quando a ciência descobre novos materiais ou novos processos químicos. E isso acontece bem raramente.
A bateria (termo emprestado da terminologia militar, como em "bateria de canhões") foi inventada pelo italiano Alessandro Volta, em 1800. Cinquenta e nove anos depois, o francês Raymond Gaston Planté inovou. Usou dois pedaços de chumbo, os polos, mergulhados numa mistura de ácido sulfúrico e água. Quando a bateria era ligada, elétrons escapavam do polo negativo, que se oxidava, e iam em direção ao polo positivo, que liberava oxigênio. Ou seja: formava-se uma corrente elétrica. Só que os materiais iam se desgastando, até que a bateria pifava. Planté teve a ideia de fazer o contrário, ou seja, dar um choque elétrico nela - e descobriu que ficava boa de novo. Nascia a primeira bateria recarregável.
Elas começaram a ser utilizadas para alimentar luzes ferroviárias, faróis marítimos e em carros elétricos primitivos. As baterias de chumbo-ácido são resistentes, e até hoje essa tecnologia é usada em carros e barcos. Ela tem um grande defeito: as baterias são muito grandes e pesadas. Esse problema começou a ser resolvido em 1899, quando o inventor sueco Waldemar Jungner criou uma versão em que o polo negativo era de cádmio, e o positivo era de níquel. Nascia a bateria de níquel-cádmio (NiCd).
Ela ganhou popularidade nos anos 1940, com o surgimento do walkie-talkie: um rádio portátil que os soldados americanos usavam para se comunicar no front. Depois da Segunda Guerra, a bonança vivida pelos EUA turbinou o mercado de eletrônicos. Surgiu uma infinidade de relógios, telefones, brinquedos e gadgets, muitos deles alimentados por baterias de NiCd. Mas elas tinham dois grandes problemas.
O primeiro é que o cádmio é altamente tóxico. As baterias de NiCd podem contaminar rios e solo, e por isso seu uso foi restringido em diversos países. Na União Europeia, por exemplo, estão banidas desde 2008. O outro problema é o chamado "efeito memória". Era preciso descarregar totalmente a bateria de NiCd antes de recarregá-la. Do contrário, a bateria estragava. Se você usasse 50% da energia dela, por exemplo, e aí tentasse recarregá-la, ela desenvolvia uma "memória" - ficava viciada e, dali em diante, só recarregava pela metade.
A solução veio com as baterias de níquel-hidreto metálico (NiMH), que substitutem o cádmio por uma liga de metais não tóxicos e chegaram ao mercado em 1989. Eram bem menos poluentes, guardavam até 40% mais energia e supostamente não tinham efeito memória. Passaram a ser usadas em aparelhos eletrônicos, em satélites e até no telescópio espacial Hubble. Com o tempo, percebeu-se que a coisa não era tão boa. As baterias de hidreto também ficavam viciadas. E não davam conta de alimentar a nova geração de gadgets, como filmadoras e CD players portáteis, que sugavam mais e mais energia.
Aí a indústria decidiu apostar em outro metal, o lítio (cujo nome vem de lithos, palavra grega que significa "pedra"). Ele já era usado em equipamentos militares, e tinha uma potência absurda: as baterias de lítio chegavam a alcançar 3,6 volts, o triplo das tradicionais. Eram uma maravilha, exceto por um porém: o material pegava fogo com facilidade. Durante as pesquisas, houve vários incêndios e pelo menos uma morte.
Mas as baterias de lítio que usamos hoje não trazem o metal em estado puro, e sim uma mistura menos explosiva (íons de lítio). Além disso, têm circuitos internos que controlam o fluxo de energia, impedindo que oscile bruscamente - o que poderia fazer a bateria pegar fogo. Quando ouvimos falar de baterias que explodiram, geralmente se trata de versões falsificadas, nas quais os circuitos de proteção falharam. Mas nem sempre. Em 2006, a Dell recolheu 4,1 milhões de baterias de laptop, que haviam sido fabricadas pela Sony e apresentavam risco.
O lítio é ruim, mas é o melhor que temos. Ainda não foi descoberto um material mais poderoso que ele. E há quem diga que isso nunca irá acontecer. "Não haverá mais grandes descobertas de materiais", acredita Wilcke, da IBM. A grande aposta é aperfeiçoar o que já existe, criando novas combinações com o lítio. Uma das pesquisas, liderada por Wilcke, tenta criar baterias de lítio-ar. Elas são abertas e reagem com o oxigênio do ar. Graças a isso, armazenam mil vezes mais energia do que as baterias tradicionais. Seus criadores esperam que cheguem ao mercado em 2020. Podem ser a solução definitiva para os carros elétricos.
Mas não vão resolver o problema dos celulares. "As baterias de lítio-ar são abertas, mas é necessário filtrar o ar que elas recebem. Não há problemas em fazer isso em um carro, mas o mesmo não acontece em um celular", explica Wilcke. Seria preciso acoplar um purificador de ar no smartphone, que ficaria bem maior e mais pesado.
Para os aparelhos de bolso, a grande esperança está em coisas incrívelmente pequenas: os vírus. Cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) estão criando baterias que combinam lítio e um vírus geneticamente modificado. Ele se chama M13 e tem uma habilidade meio ciborgue: produz ferro.
Conforme o vírus se multiplica, ele vai se agrupando e forma microfios perfeitos, que não têm imperfeições e por isso conduzem muito bem a corrente elétrica. Esses microfios podem ser usados dentro de baterias, que graças a isso duram até 3 vezes mais - ou podem ser construídas num tamanho muito menor sem perder potência. Os botões da sua roupa poderiam ser baterias, por exemplo. O exército dos EUA já manifestou interesse na tecnologia.
Mas ela só vai se concretizar se o mundo tiver lítio suficiente para produzir baterias. E ele não é infinito. No século 21, o lítio será cada vez mais importante - tanto que há quem o considere o novo petróleo. Com todos os conflitos, e as controvérsias, associadas a isso.
A corrida do lítio
Hoje, os maiores produtores de lítio são Austrália (41%), Chile (38%), Argentina (10%) e China (9%). Uma única mina, recém-descoberta na Austrália, tem 4,3 milhões de toneladas do metal, o suficiente para alimentar o mundo pelos próximos 30 anos. "As reservas mundiais não estão em questão", diz Jon Hykawy, analista de materiais da consultoria Byron Capital. Tem bastante lítio no planeta. Mas isso pode mudar - talvez antes do que se imagina.
O milionário sulafricano Elon Musk é dono da Tesla Motors, uma fabricante de carros elétricos, que produz 33 mil carros por ano. Uma empresa relativamente pequena, mas com enorme potencial - tanto que seu valor de mercado é US$ 30 bilhões, mais da metade da gigantesca General Motors. Musk quer transformar o carro elétrico num produto de massa. E acredita que a chave para isso é criar baterias mais leves e potentes.
Por isso, está construindo uma fábrica no estado de Nevada, nos EUA, que produzirá 500 mil baterias de lítio para carros por ano - o que equivale a dobrar toda a produção mundial. Ela vai custar R$ 6 bilhões, terá 6.500 funcionários e deverá ficar pronta em 2016. É um megaprojeto, que pode aumentar muito a demanda por lítio - e acirrar a disputa por ele.
Se isso acontecer, a Bolívia vai dar um grande salto. É que ela é dona do salar de Uyuni, planície que contém uma enorme quantidade de lítio: o suficiente, estima-se, para aumentar em 50% as reservas mundiais. Ao longo das próximas décadas, os bolivianos poderão adquirir um poder comparável ao que os países produtores de petróleo têm hoje. Em vez de sheiks vestindo turbantes, os símbolos de riqueza farta e rápida serão os multimilionários andinos.
E as superpotências mundiais, que hoje fazem de tudo para colocar as mãos no petróleo do Oriente Médio, fatalmente irão atrás do lítio boliviano. Isso pode transformar a geopolítica mundial. Mas talvez não impeça que as baterias continuem nos deixando na mão.
fonte: Bruno Romani/Supeinteressante