Atentados como o de sexta têm que provocar reflexões muito amplas. Onde nos perdemos? Em algum momento não estivemos perdidos? Em algum momento vamos nos encontrar?
Há registros de ataques terroristas desde a Grécia Antiga, com a diferença que, de modo geral, os terroristas procuravam evitar vítimas colaterais, isto é, inocentes que não tinham nada a ver com a picuinha. No Império Russo, por exemplo, quando tentaram depor o Czar Alexandre II, houve diversos cancelamentos de ataques para evitar ferir inocentes.
Até mesmo depois da Segunda Guerra Mundial, o terrorismo ainda era aceito como parte de um contexto revolucionário. A ONU considerava legítimas as lutas pela “autodeterminação” dos povos que se utilizavam de atos terroristas.
Foi só nos anos 70 que o terrorismo começou a ser discutido em âmbito global, obviamente com os países ocidentais liderados pelos EUA defendendo a repressão, enquanto a parte dos orientais e dos comunistas, defendiam a identificação e eliminação das causas. Mas você sabe qual visão se tornou padrão.
Qualquer que seja a “visão oficial” da ONU ou dos EUA, no entanto, o fato é que o terrorismo tem causa. Um bom começo para entender estas causas é assistir a uma das mais brilhante palestras já produzida pelo TED, com o sociólogo americano Sam Richards.
O terrorismo não advém de uma guerra do bem contra o mau. Nada, nunca, é uma guerra do bem contra o mau. Guerras vêm simplesmente de necessidades e crenças conflitantes. Vários conflitos poderiam ser resolvidos com o uso da razão, mas no fim das contas, nossa emoção é muito mais forte.
O problema quase sempre está em subjugar o amiguinho. Quando a Alemanha perdeu a Primeira Guerra Mundial, foi subjugada no tratado de Versalhes. A raiva gerada no povo alemão pelo tratado deu força ao movimento nacionalista de Hitler, que por fim se tornaria o movimento fascista de um dos maiores criminosos da história.
Se considerarmos que sem o tratado de Versalhes provavelmente não haveria Hitler, de quantas outras burradas históricas poderíamos nos ter livrado com atitudes mais delicadas?
Eu sempre penso que o padrão ético de guerra é determinado pelo mais forte. É muito fácil, quando você tem acesso às melhores tecnologias, dizer o que é justo e o que não é na guerra.
Deixar uma bomba no metrô e utilizar mísseis teleguiados em combates contra exércitos que usam pistolas são atitudes igualmente covardes. A diferença é que o míssil visa um alvo militar.
Mas vou contar uma coisa: a guerra, pelo caráter de longo prazo, mata mais civis colaterais do que atentados terroristas. O Iraq Body Count Project afirma que mais de 70.000 civis foram mortos como vítimas colaterais de ataques militares pela guerra do Iraque. Para comparar, nós falamos de algo entre 100 e 150 em Paris.
The Lancet, a mais tradicional revista da área médica no Reino Unido, conduziu uma pesquisa no Iraque para saber quantas vítimas fatais indiretas houve em razão da guerra. Mortes provocadas pela falta de segurança, pela degradação da infra-estrutura, pela dificuldade em conseguir comida, medicamentos e, tudo o que poderia levar à piora na saúde-pública. O número gira em torno de 600.000.
Fica claro, então, que a guerra não é mais ética ou moralmente defensável do que o terrorismo. Por isso, em momentos como este, nada que não seja compreensão e diálogo podem resolver. A não ser que se dizime uma cultura inteira, sempre haverá uma resposta mais agressiva a qualquer repressão.
O terrorismo é a resposta possível do cara que não tem acesso a drones, mísseis teleguiados, aviões ultra-sônicos e a tecnologia mais avançada. É uma resposta que eu não apoio, fique claro. Ao menos não desta forma.
Da minha parte, desejo todo o amor aos amigos e familiares das vítimas deste atentado em Paris. Assim como das vítimas de todas as guerras e injustiças que motivaram os executores do ataque. Mas antes que comecem a planejar uma nova guerra ao terror, me adianto: a guerra contra o terrorismo não é mais nobre ou mais justa que o terrorismo contra a guerra.
Fonte: Emir Ruivo
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