Desde ontem, quem entrou no banheiro masculino do Prédio 3 da Universidade Mackenzie, encontrou rabiscado atrás da porta: “Lugar de negro não é no Mackenzie, é no presídio.”
Em que ano estamos?
Segundo uma nota emitida após o episódio pela universidade, estamos em outubro de 2015, mês em que a instituição completa 145 anos de existência, de uma “história de ampliação de liberdades e construção de oportunidades” e de “compromisso com a defesa dos direitos e garantias individuais e coletivos”.
Mas será que seus alunos representam bem esse compromisso? O problema está na pouca dedicação em transmitir esses valores ou na falta de interesse dos estudantes em absorvê-los?
O Prédio 3 abriga a Faculdade de Direito, curso com mensalidade de R$ 1.681,00.
Na página de apresentação do curso no site da universidade lemos que “O Curso de Direito visa obter do acadêmico de direito uma formação humanística que permita conhecer e compreender melhor o meio social, político, econômico e cultural onde possa atuar, além de compreender as desigualdades sociais e regionais do trabalho, do meio ambiente, do consumidor, das políticas públicas e, acima de tudo o papel do Direito no cenário que se apresenta.”
Então o que explica que ali, naquele ambiente, possamos encontrar um tipo de manifestação hedionda? Quem responde é Adrielly L. S. Oliveira, estudante do 3º semestre.
“Acredito que haver medidas afirmativas, que nos coloquem junto a mais alta elite, revolta, porque infelizmente ainda hoje somos vistos como escória. Já ouvi que não deveríamos ocupar altos cargos pois, se temos cotas, pensamos menos. É um absurdo isso acontecer aqui, uma vez que prezamos lei, justiça e igualdade”, diz Adrielly que tem 50% de bolsa, é uma das duas únicas negras de sua turma, mora em Itaquera e toma dois ônibus mais metrô para chegar às 7:15 da manhã na faculdade em Higienópolis.
Infelizmente a situação não está restrita ao Curso de Direito. Michelli Oliveira é estudante de Jornalismo no mesmo campus. Em uma sala de 60 alunos, há apenas duas negras. Michelli é uma delas e é a única bolsista pelo Prouni. A mensalidade do curso de Jornalismo é de R$ 1.900,00. “Ser negro e pobre é meio que pedir o preconceito”, diz.
Em agosto deste ano, Michelli já tinha se deparado com outra inscrição semelhante: “O Mack não deveria aceitar negros nem nordestinos.”
“Todos os dias me arrumo e vou para o Mackenzie estudar. Vejo no campus que sou uma das poucas com cabelo black e que os muitos que se parecem comigo são os funcionários. Tenho orgulho de ser Mackenzista, mas também, tenho vergonha e dó daqueles que estão lá e acham que suas classes sociais e suas etnias são mais importantes que o resto do universo. A dor não é só minha, mas de todos aqueles que são afetados com essas declarações de ódio”, desabafou.
Não é lícito suspeitar que a Universidade Mackenzie tolere e muito menos incentive a discriminação (a nota oficial diz que repudia o ato de cunho racista, que desconhece a autoria e informa já ter instaurado procedimento interno para apuração). O problema está obviamente nos alunos das faculdades particulares, sobretudo essas tradicionais, caras, que nunca viram vizinhos de sala pertencentes a outras cores e de outras bandas.
Dirão que é papo de comunista, mas essas pessoas estão sim muito incomodadas com a presença e ascensão das classes menos favorecidas. Veem seu reinado sob ameaça. Há poucas semanas estudantes de medicina fizeram um blackface para criticar cotistas. Disseram que era brincadeira inocente.
A proximidade de uma turma que acorda às 4 da manhã para trabalhar e estudar sem nunca ter tido uma base educacional satisfatória, que nunca pôde ficar deitada no sofá a tarde toda depois da aula, que nunca foi levada de carro para a escola, para o clube, para lado nenhum, provoca essa estupidez.
Para os filhos dos que sempre tiveram o futuro garantido, a presença incômoda de “intrusos” precisa ser diminuída na base de insultos. Aliás, esses parecem ser os únicos recursos que essas pessoas possuem. E como racismo é crime, lugar de branco pode ser no presídio também.
Fonte: Mauro Donato
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