domingo, 19 de março de 2017

Corrupção na Suécia?


Tomas Tobé


Enquanto no Brasil o esquema de corrupção descoberto na Operação Lava Jato pode ter gerado mais de R$ 40 bilhões de prejuízo aos cofres públicos, na Suécia o escândalo que domina as manchetes dos jornais é bem mais modesto.

O deputado Tomas Tobé usou, em benefício próprio, as milhas acumuladas no cartão que o Estado fornece a parlamentares para uso gratuito de trens e transportes públicos no país.
Secretário-executivo do Partido Moderado (conservador), Tobé usou os pontos de seu cartão para pagar um pacote de amendoins, uma refeição, vinho e água, além de oito bilhetes de trem para viagens de caráter pessoal. O valor total da imprudência: 10.865 coroas suecas (cerca de R$ 3,8 mil).

No entanto, ele violou um princípio do Manual de Viagens dos Parlamentares suecos, que dita as regras a serem cumpridas pelos deputados. Diz o parágrafo 44: "Um parlamentar não pode usar em benefício próprio os pontos de milhagem acumulados em viagens feitas a serviço, em avião ou trem".
Os pontos devem ser utilizados para baratear os custos com viagens a serviço do próprio parlamentar ou de algum outro deputado do Parlamento.

A insensatez de Tobé pode parecer, comparativamente, uma infração menor. Mas na visão da Agência Nacional Anticorrupção da Suécia, não deve haver distinção entre pequena e grande corrupção.
"Especialmente quando se trata de políticos e autoridades públicas, não importa se o crime é grande ou pequeno. Iremos sempre investigar e, desde que tenhamos as evidências necessárias, processar o responsável em nome do interesse público", disse Kim Andrews, promotor-chefe da agência sueca.

"Porque é essencial, em uma sociedade, manter a confiança da população nos representantes que tomam decisões em nome dos interesses dos contribuintes. Trata-se, em última análise, de proteger o interesse público e a democracia."

Benefício próprio
O caso de Tobé já está sob investigação dos promotores da agência - apesar de o deputado ter se apressado em corrigir o deslize e devolver o dinheiro. "É crime usar dinheiro que nao é seu. Portanto, em princípio o deputado cometeu um crime", afirmou o promotor-chefe.

Mais importante do que a dimensão dos escândalos políticos, é preciso atentar para a questão moral de qualquer ato impróprio, de acordo com Andrés Puntigliano, diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Estocolmo.
"É claro que existe uma grande diferença, por exemplo, entre o caso do deputado Tobé e o escândalo de corrupção da construtora Odebrecht e suas ligações com políticos do Brasil, em que milhões teriam sido desviados", ele observa.

"Mas é preciso destacar a gravidade do problema moral representado por casos como o de Tobé, em que o dinheiro público, ainda que em menor escala, é usado em benefício próprio pelos políticos."

Em nota enviada à administração do Parlamento sueco, o deputado informa que deixou de declarar a compra de um saco de amendoim e um bilhete de trem para viagem de caráter pessoal, e pede que o erro seja corrigido

Pressão da imprensa
Um arrependido Tomas Tobé pediu desculpas públicas por seu ato, ao enfrentar a fúria da mídia em uma entrevista no Parlamento sueco. O "pinga-fogo" foi reproduzido pelo jornal Dagens Nyheter:

Repórter - "Você não tinha conhecimento das regras?" (na Suécia, políticos são tratados como "você")
Tomas Tobé - "Eu deveria ter tido um controle melhor sobre o uso dos pontos de milhagem, uma vez que eu os acumulei através de viagens de trem a serviço. É totalmente errado usar esses pontos em benefício próprio, da forma como usei."
Repórter - "Mas você não sabia das regras?"
Tobé - "Claramente, eu não sabia bem o suficiente. Por isto, estou corrigindo meu erro."
Repórter - "Você chegou a comprar produtos com os pontos de milhagem?"
Tobé - "Durante uma viagem de trem, usei os pontos para pagar uma refeição, vinho e água. Acabo de informar a administração do Parlamento sobre isso, e eles vão descontar do meu próximo salário o valor dos gastos."
Repórter - "Você acha que tem condições de permanecer no cargo de secretário-executivo do partido?"
Tobé - "Sim."
Repórter - "E por quê você tem tanta certeza de que sim?"
Tobé - "Esta é a minha proposta. Estou corrigindo meu erro. Garanto que isso nunca mais vai acontecer. Peço desculpas por ter feito o que fiz."

A líder do Partido Moderado, Anna Kinberg Batra, deu um puxão de orelhas público no deputado: "Foi um ato impróprio, pois regras existem para serem cumpridas. Thomas Tobé deve, portanto, corrigir este erro. E assumir sua responsabilidade para que isto não se repita."

A revelação sobre o deslize de Tobé foi feita pelo jornal Expressen, que no início do mês procurou o deputado a fim de colher informações sobre o uso da milhagem feito em 2016.
Ato contínuo, o parlamentar começou a enviar informações sobre o uso dos pontos do cartão para o setor de administração do Parlamento, a fim de retificar o erro e devolver o valor correspondente aos gastos.

Longo processo
"A Suécia tem políticas extremamente rígidas de controle da corrupção, e o caso do deputado Tobé é um bom exemplo disso", diz Andrés Puntigliano, que destaca também a ocorrência ocasional de casos mais robustos de corrupção no país.

Na sua interpretação, são relativamente falhas as correlações que em geral associam baixos índices de corrupção ao alto grau de desenvolvimento de uma democracia.
"Também existem democracias desenvolvidas com graves problemas de corrupção. Exemplos disso são a Itália e a França, onde foi revelado recentemente que (o candidato presidencial e ex-premiê francês) François Fillon empregou a própria mulher como assessora-fantasma", relata.
Nomeada para o gabinete do marido na época em que ele era deputado, Penelope Fillon teria acumulado rendimentos de aproximadamente 500 mil euros (cerca de R$ 1,6 milhão) entre 1998 e 2012.

Por outro lado, observa o professor, também é uma generalização errônea caracterizar a corrupção como um problema típico de países latinos.
"Na própria América Latina, as experiências são bastante distintas. De um lado há o Brasil, com seus grandes escândalos, mas podemos citar o Uruguai como exemplo de democracia com baixos índices de corrupção em comparação com outros países, assim como o Chile", destaca ele.

E qual é o caminho para a construção de democracias menos corruptas, em que o fato de um deputado se aproveitar da milhagem do trem seja considerado um grande escândalo?
Para Puntigliano, a transparência dos atos oficiais é uma ferramenta-chave para controlar os excessos do poder. Mas ela deve estar associada a um elemento essencial: a educação da população.

"Não é possível atingir um nível de baixa corrupção em um país, como a Suécia, apenas pla implementação de leis e regras. É necessário, acima de tudo, um longo processo de educação de uma sociedade e de seus políticos, em termos do respeito que se deve ter ao uso do dinheiro público."
"Em outras palavras, a integridade de uma sociedade começa a ser construída nas escolas", afirma.








Fonte: BBC




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