segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A Morte Não É Mais A Mesma - Parte 2.





REAVIVANDO A DISCUSSÃO

Tanto o ECMO quanto o resfriamento são usados em conjunto com procedimentos tradicionais de emergência, como a compressão do peito, desfibriladores e respiração artificial. A respiração boca a boca, popular até o começo da década passada, não é mais recomendável: sabe-se agora que, com exceção de casos de afogamento, o organismo em colapso ainda tem reservas de oxigênio por até 10 minutos.

Desde o estabelecimento dos Critérios de Harvard, em 1968, a compressão e a respiração forçada se aplicam a todo organismo sem batimento cardíaco, sem respiração, sem movimentos do corpo e sem atividade cerebral — é assim que se define a morte em termos médicos. De todos estes pré-requisitos, a morte cerebral é decisiva. “Nos últimos anos, descobrimos que a morte cerebral, da forma como a conhecemos, é uma ficção”, diz Henderson. Geralmente, ela é medida por um eletroencefalograma, que não capta todas as funções cerebrais.

Além disso, sabemos agora, um neurônio inativo pode voltar a funcionar.  É possível, por exemplo, multiplicar neurônios de corpos que ficaram mais de quatro horas sem atividade cerebral. Foi o que fizeram os pesquisadores do Instituto Salk, da Califórnia. Em 2001, eles conseguiram cultivar novos neurônios em laboratório, usando células do cérebro de recém-falecidos — isso mostra, dizem eles, que os neurônios ainda seriam viáveis.

As novas técnicas reavivaram o interesse pela ressuscitação, área marcada por poucos e lentos avanços (veja-os na linha do tempo). Apenas a partir dos anos 1960 é que a combinação de massagem cardíaca e respiradores com tubos na traqueia começou a se disseminar. “A ressuscitação cardiopulmonar foi uma revolução. Mas, desde então, a medicina parou”, diz Vinay Nadkarni, professor da Universidade da Pensilvânia.

Os índices de ressuscitação bem-sucedida nos países desenvolvidos, em torno de 16%, não evoluíram nos últimos 25 anos. No hospital de Sam Parnia, em compensação, estão em 33% — mesmo índice de sucesso do Instituto do Coração (InCor), em São Paulo, que também usa as técnicas. Desde agosto deste ano, aliás, o resfriamento do corpo é recomendado para todos os hospitais brasileiros pela Sociedade Brasileira de Cardiologia. A instituição agora pede que os pacientes de colapso cardíaco sejam mantidos entre 32 oC e 34 oC por 12 a 24 horas. De acordo com a entidade, um paciente ressuscitado que é submetido ao resfriamento corporal tem 33% mais chances de se recuperar sem sequelas.

As medidas foram adotadas no InCor há três anos. “A técnica é revolucionária e nos obriga a repensar nossa definição para a morte”, afirma o cardiologista Sergio Timerman, chefe do laboratório de pesquisa e treinamento em emergência do hospital, e responsável pelo primeiro treinamento das novas técnicas na América Latina — realizado em agosto para 30 profissionais da área de saúde. “Os resultados são espantosos. A oxigenação do organismo aumenta em 60% as chances de sobrevida.” As práticas em São Paulo já ajudaram a salvar, entre outras pessoas, Airton Inamime, que sofreu uma parada cardíaca em março de 2012 no Metrô e foi submetido ao resfriamento e ao ECMO. Depois de 12 minutos, voltou à vida sem sequelas.

A adoção das técnicas ainda é gradual, embora sejam indicadas desde 2003 pelo Comitê Internacional de Ressuscitação (Ilcor, na sigla em inglês). Em Nova York, a partir de 2008, a prefeitura obrigou todos os hospitais a manter equipamentos de resfriamento. A medida está sendo adotada principalmente em hospitais dos EUA, Inglaterra, Alemanha, Coreia do Sul e Japão. De acordo com as estimativas de Parnia, se fosse adotada em larga escala nos EUA, poderia salvar 40 mil vidas por ano. “Sozinho, o resfriamento é revolucionário. Permite adiar a morte e ganhar tempo para desentupir as veias que provocaram um enfarte”, diz Nadkarni, que também é membro do Ilcor.

O uso de respiradores e desfibriladores demorou mais de uma década para se disseminar. O mesmo está acontecendo agora com as novas técnicas de ressuscitação, dizem seus defensores. “Os profissionais de saúde já conhecem as novas técnicas, mas ainda não sabem como colocá-las em prática”, afirma Timerman.

Em outubro de 2012, um estudo publicado na renomada revista científica The Lancet reforçou a importância da nova abordagem perante a morte. O levantamento concluiu que gastar mais tempo nos esforços de ressuscitação pode aumentar a chance de sobrevivência e de alta para pacientes com parada cardíaca. Ao todo, foram pesquisados 64.339 pacientes em 435 hospitais nos Estados Unidos. Os hospitais cuja média de tempo de ressuscitação era mais alta (25 minutos) tiveram 12% mais chances de que seus pacientes voltassem à vida em relação aos hospitais com tempo médio mais baixo (16 minutos).

DILEMA ÉTICO
Uma das consequências destas novas medidas é que dão tempo aos médicos para que curem os danos que provocaram o ataque cardíaco. “Em geral, ninguém mais deveria morrer de enfarte”, diz Sam Parnia. Em situações de morte que não o enfarte, a ressuscitação apenas adiaria o inevitável por algumas horas, ou dias. No entanto, ao abrir possibilidades para sobreviver a paradas súbitas no hospital, os métodos alimentam o dilema ético sobre até quando uma pessoa deve ser mantida viva. Se um paciente de câncer em metástase fosse ressuscitado, por exemplo, seria apenas para aguardar um novo colapso de seu organismo. O mesmo vale para a vítima de um acidente automotivo cujos órgãos sofreram danos que não podem ser recuperados. Nestes casos, a esperança pode estar na criogenia — mas no futuro. Por enquanto, a técnica consegue apenas congelar as pessoas, mas não descongelar.

Até lá, a ressuscitação tende a se tornar uma ciência cada vez mais complexa — Robert Neumar está pesquisando formas de resfriar o corpo no nível celular, para ganhar ainda mais tempo de recuperar pacientes. E pesquisadores da Universidade da Pensilvânia estão estudando os processos fisiológicos dos animais que entram em hibernação, para reproduzir em pacientes humanos. “Daqui a 20 anos, seremos capazes de trazer de volta à vida pessoas que passaram mais de 24 horas sem atividade cardíaca ou cerebral”, afirma Parnia. “Nossos netos não vão ver a morte da mesma forma que nós.”




Fonte: Galileu


Nenhum comentário:

Postar um comentário