Os cinco jovens fuzilados pela PM no Rio eram negros — e isso não é coincidência.
Roberto de Souza Penha, Carlos Eduardo de Souza e Cleiton Correa de Souza tinham entre 1 e 3 anos de idade quando Cidinho e Doca emplacaram o mega sucesso “Rap da Felicidade”. Wilton Esteves e Wesley Castro Rodrigues eram um pouco mais velhos, contavam entre 5 e 10 anos. Talvez eles tenham cantado com outros contemporâneos de comunidade que morreram antes deles os versos proféticos: “Eu só quero é ser feliz / andar tranquilamente na favela onde eu nasci / e poder me orgulhar / e ter a consciência que o pobre tem seu lugar”.
Talvez cantassem este hino do funk enquanto comemoravam dentro do carro, o primeiro salário do menino Roberto, de 16 anos. Talvez sorrissem e planejassem a diversão do domingo antes de tentarem, desesperados, segundo testemunhas, colocar braços e cabeças para fora do veículo conduzido por Wilton, clamando por misericórdia aos policiais militares postados em posição de guerra na entrada da favela.
Outro verso da música ecoa: “Faço uma oração para uma santa protetora / mas sou interrompido / a tiros de metralhadora”. Não adiantou. Thiago Resende Barbosa, Marcio Darcy dos Santos, Antônio Carlos Filho, fuzilaram o carro dos rapazes com cerca de 50 tiros, no começo da favela onde viviam, em Costa Barros, zona Norte do Rio de Janeiro. A conclusão lógica é que a liberdade de ir e vir não é facultada aos jovens negros sequer na favela onde nasceram, como eternizado na canção.
Posteriormente, o policial Fabio Pizza da Silva ainda tentou fraudar a cena do fuzilamento para simular um Auto de resistência, ou seja, tentou criar um cenário de revide dos policiais a um forjado ataque das cinco vítimas com uma arma plantada debaixo do carro, multiplamente perfurado. Felizmente não deu certo. Os três assassinos e o comparsa estão presos e serão julgados. O comandante responsável pela área de atuação dos quatro policiais foi exonerado. Ok.
O Secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame se pronunciou e eximiu a Corporação Militar de responsabilidades, haja vista que em sua opinião não se trata de um problema de despreparo profissional dos responsáveis pela matança. Trata-se de um problema de caráter dos matadores.
Assim fica fácil! Difícil mesmo foi a vida dos rapazes assassinados, que nunca gozou de garantias constitucionais básicas. Difícil é a vida das famílias que precisarão administrar dores, revolta e desamparo, sem tempo para o luto, porque se fraquejarem seus mortos apenas comporão a cifra das 83 vidas de jovens negros perdidas a cada dia no Brasil. O problema da carnificina de Costa Barros é que a Polícia Militar é o braço armado do Estado, autorizado a matar, a exterminar jovens negros e pobres. Quilombolas e indígenas. Moradores de favelas, periferias, palafitas, alagados e todos os demais quartos de despejo do Brasil endinheirado e branco.
Dezenas de jovens que conseguiram ser avisados por familiares ou amigos para não voltarem para casa naquela noite porque havia ação policial no morro, agora choram e tremem, com os nervos em frangalhos. Poderia ter acontecido com eles. Pode acontecer amanhã.
É mais ou menos tácito que vivemos uma cultura de violência, como vários ex-secretários de segurança pública do Rio de Janeiro apontam a cada chacina. E que precisamos combatê-la, por suposto. Cada um fazendo uma parte, o Estado, a Polícia, a escola, o cidadão e a cidadã comuns, os meios de comunicação, de maneira integrada.
Temos conhecimento de boa parte das ações necessárias, mas não fazemos nada ou praticamente nada. Ocorre que discutir a violência, apenas, não resolve. É preciso problematizar o racismo estrutural da sociedade brasileira que gera violência e avaliza o extermínio de jovens negros, comemorado por governantes como gols de placa. Ou alguém ousa negar que a vida desses garotos não tem valor porque são vidas de negros?
Fonte: Cidinha da Silva
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