Hoje, no Brasil, é mais fácil comprar maconha do que antibiótico. Para comprar antibiótico, leva tempo, precisa marcar consulta médica, tem que ser maior de idade e responsável pelos seus atos, às vezes tem retenção de receita, registro de tudo.
Já para comprar maconha é só sair à rua, olhar para os dois lados e encontrar alguém que tenha jeito de que sabe onde tem. Antibiótico só é vendido em locais autorizados, sujeitos a fiscalização e pagadores de imposto.
Maconha se vende em qualquer lugar – na porta da escola, dentro da escola, na delegacia, dentro da cadeia, em qualquer rua de qualquer bairro de qualquer cidade.
Não será mais assim no Uruguai. A partir do ano que vem, no nosso vizinho ao sul, haverá regras no comércio de maconha. Menores de idade não poderão mais comprar, como podem aqui no Brasil.
Diferentemente daqui, lá pacientes de doenças brutais como câncer, aids, esclerose múltipla e mil outros males auto-imunes, psiquiátricos e degenerativos, e que usam maconha para se tratar, terão a garantia de um remédio limpo e confiável. O governo poderá observar as consequências do uso, para elaborar políticas de saúde pública e de educação, em vez de negar-se burramente a controlar o mercado, como faz no Brasil.
O Uruguai tirou a cabeça do buraco e resolveu lidar com a questão. Isso é o mais importante em relação à aprovação da nova política de Regulación Responsable que acaba de ser aprovada pelo Senado uruguaio.
Se o sistema vai funcionar bem ou não, é cedo para saber. Tem muitas maneiras como um projeto complexo como esse pode dar errado. Mas algumas certezas eu tenho:
1. O mundo não vai acabar. Quase ninguém vai passar a fumar maconha só porque ela foi legalizada. Todas as pesquisas mostram que a proibição não evita o uso – apenas piora as consequências dele. Pode até ser que o número de usuários aumente 1% ou 2%, ou 5%, vá lá, mas quem não gosta de maconha não quer provar – e quem gosta já tem acesso. Nesse aspecto, muito pouco vai mudar.
2. Milhares de pessoas serão beneficiadas com acesso a um remédio de melhor qualidade, ou de uma substância recreativa mais segura, que cause menos dependência, que faça menos mal.
3. Traficantes ganharão menos dinheiro. E, na nossa sociedade, ter menos dinheiro é sinônimo de ter menos poder.
4. O mercado de maconha continuará existindo, mas vai mudar de mãos, pelo menos em parte. E vai para mãos mais competentes. Por que mesmo aqui no Brasil a gente acha que é uma boa ideia entregar um mercado enorme e super-lucrativo para o pior tipo de gente?
A mudança da lei no Uruguai não é solução para todos os problemas do mundo, óbvio. Continuará existindo violência e corrupção, alguns jovens continuarão tendo comportamente auto-destrutivo, a morte e a doença não foram erradicados.
Mas o governo de lá assumiu o risco de uma decisão impopular para realmente tentar resolver o problema, em vez de apenas fingir, como faz no Brasil, que tem uma política caríssima, que incha o estado e não gera resultado algum. Precisa coragem para isso.
Coragem que nossos políticos não têm.
Fonte: Denis Russo Burgierman/Superinteressante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário