O mundo comprou a ideia que a internet é revolucionária. A ideia de como ela deu poder às pessoas, permitiu que todos tivessem voz e isso faria estremecer as estruturas tradicionais de poder. A internet, afinal, criou um ambiente para livre expressão, democratizou a cultura e, ao mesmo tempo, permitiu que pequenos empreendedores ascendessem e competissem de igual para igual com gigantes. Todo mundo comprou essa ideia de nova ordem mundial.
Mas 2013 mostrou que não, a internet não é esse ambiente livre e democrático que nós pensávamos. Pelo contrário: ainda estamos na era feudal da internet, servindo e sendo controlados por poucos senhores. E a única maneira de reverter essa situação é com regulação governamental – de forma aberta, transparente e clara para equilibrar os poderes.
Quem diz isso é o escritor e pesquisador em criptografia e privacidade Bruce Schneier, que criou o conceito de internet feudal ainda no ano passado, quando nós não sabíamos que estávamos sendo sistematicamente espionados. Schneier é um comentarista de segurança famoso – existe até um Bruce Schneier Facts -, e sua visão sobre o controle da internet me chamou a atenção. Principalmente porque faz sentido para nós, brasileiros, neste momento em que a aprovação do Marco Civil está na reta final.
Feudalismo moderno
Para Schneier, o poder está consolidado nas mãos de poucos “senhores”. “Essas empresas [Google, Facebook, Apple, Microsoft] agem conforme seu próprio interesse. Elas usam suas relações conosco para aumentar seus lucros, e às vezes os nossos gastos. Elas agem arbitrariamente. Elas cometem erros. Elas deliberadamente mudam normas. O feudalismo medieval deu aos senhores vastos poderes sobre os camponeses sem terra; e nós estamos vendo o mesmo na internet”, ele escreveu.
É a popularidade e onipresença dos “senhores da internet” que lhes dá lucro, leis favoráveis e relações com o governo – e isso torna mais fácil a manutenção do poder. “Esses senhores competem entre si. Ao passar o tempo em seus sites, fornecendo a nossa informação pessoal, estamos dando a matéria-prima para essa competição. São como servos trabalhando a terra para os senhores feudais. Se você não acredita em mim, tente recuperar os seus dados quando você sair do Facebook”, escreveu.
O cenário fica pior quando essas empresas se alinham com os governos – caso da espionagem da NSA ou mesmo a indústria de entretenimento, que tem um histórico de lobby pesado para proteger seus modelos de negócio ultrapassados.
Mas qual foi o momento em que perdemos o controle? Quando foi que começamos a viver em um feudalismo – e nem nos demos conta disso?
Para Schneier, isso tem a ver com a maneira como a sociedade usa a tecnologia. “As taxas de adoção são diferentes. Os desorganizados, os distribuídos, os marginais, os dissidentes, os fracos, os criminosos: eles podem usar as novas tecnologias mais rapidamente.
Quando esses grupos descobriram a internet, eles rapidamente ganharam poder”, explica. “Mas quando as instituições já poderosas finalmente descobriram como aproveitar a internet para os seus próprios benefícios, elas ganharam mais poder para ampliar.
Essa é a diferença: os distribuídos foram mais ágeis para usar seu novo poder, enquanto os institucionalizados demoraram mais, mas usaram esse poder de forma mais eficiente”.
Para o especialista, nós estamos neste ponto agora. De um lado, os grupos descentralizados que fundaram e mantiveram a internet da maneira que é até hoje; do outro, as grandes instituições, com os governos em cima de todos, que superaram a deficiência inicial e descobriram como usar a rede para consolidar o seu poder. Quem vai ganhar a guerra?
Em busca do equilíbrio
Primeiro: precisamos de mais transparência e fiscalização. Isso pode ser feito de várias maneiras. Tribunais especiais, um poder legislativo que entenda a tecnologia (e como ela afeta o equilíbrio de poder) e uma imprensa em cima do poder público. “Precisamos saber que os poderes institucionais vão agir a favor de nossos interesses e não abusarão desse poder. Caso contrário, a democracia falha”.
A curto prazo, nós temos de ter poder sobre a tecnologia: modificar legalmente nosso hardware, software e cuidar de nossos arquivos pessoais, além de ter garantida a neutralidade de rede. Isso, segundo Schneier, limita o quanto “os senhores podem tirar vantagem de nós”. A longo prazo, porém, é preciso combater o desequilíbrio de poder.
“Os senhores têm um monte de direitos, mas poucas responsabilidades ou limites. Nós precisamos equilibrar esse relacionamento, e a intervenção do governo é a única maneira de conseguir isso.” Na Europa Medieval, lembra Schneier, o feudalismo foi extinto com a organização do Estado. E a Carta Magna, determinando responsabilidades, foi o que colocou a humanidade no caminho de um governo do povo e para o povo. “Precisamos de um processo similar para controlar os nossos senhores da internet.”
Fonte: Tatiana Dias/ Galileu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário