Tiririca virou ícone da descrença na democracia brasileira. Da sua eleição ao anúncio de volta à vida circense, a mensagem é a mesma - "pior que está não fica". Mas será que as coisas vão tão mal assim? Comparado aos nossos colegas emergentes, somos até uma democracia admirável. Nossas eleições são livres. Nosso sistema de votação eletrônica, embora peque em transparência, é referência mundial. Nossa imprensa é independente, ao menos nas principais capitais.
E temos três poderes bem divididos. Ok, a presidenta tem grande poder - como administrar um orçamento de R$ 2,3 trilhões e criar medidas provisórias com valor de Lei. Mas, para servir de freio a ela há 513 deputados e 81 senadores que estão lá representando o povo e seus Estados. Sem a aprovação deles, no Congresso, o Executivo não faz nada. No papel, é um modelo lindo. Só que na prática eu, você e a torcida de todos os times da pátria sabemos que a verdade não é bem por aí.
Tudo funcionaria bem, não fosse o fato de, em vez de um mandato, o Congresso receber carta branca de seus eleitores. Sim, deixamos nossos representantes fazerem o que quiserem com seus cargos. Passado um mês desde a eleição de 2010, um em cada cinco eleitores havia se esquecido em que parlamentar tinha votado, segundo pesquisa do Tribunal Superior Eleitoral.
Já o Estudo Eleitoral Brasileiro, feito pela Unicamp, mostra que 70% esqueceram em 2010 em que deputado votaram quatro anos antes. Não é que o brasileiro não sinta que seus representantes o representem. Ele sequer sabe quem é o seu representante. E, sem isso, o congressista não tem controle. Faz o que quer.
Vamos às urnas a cada dois anos, mas no resto do tempo não participamos das escolhas feitas no bairro, na igreja, no trabalho e nos outros espaços que fazem parte da nossa vida. "A política virou um departamento à parte, dissociado da sociedade", diz o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ). "E o povo a vê como uma instância que não lhe diz respeito." O resultado é que dificilmente a carreira política atrai as pessoas mais capacitadas. Você tem algum amigo talentoso? Pois bem, provavelmente ele não quer ser político.
Em geral, pessoas talentosas vão à universidade, escolhem uma profissão e vão brilhar muito em uma empresa ou em qualquer espaço onde lhes deem recompensas mais imediatas e palpáveis. A política é frustrante demais. Para entrar nela, é preciso atravessar a piscina de lama do financiamento eleitoral. Depois, é necessário lutar contra um grupo de pessoas que estão lá por motivos que não são exatamente "a formação de um país melhor". A quem então interessaria a profissão de suas excelências?
Bem-vindo ao zoológico
Poucos quilômetros passados desde o aeroporto Juscelino Kubitschek, chega-se a um trevo no qual uma placa indica: "zoológico". Parece piada, mas, se você seguir a indicação, chegará a Brasília. Como um zoológico, a capital federal é isolada do hábitat natural da maioria da população (a única região metropolitana a menos de 12 horas de ônibus é a de Goiânia).
Ao mesmo tempo, também reúne num pequeno espaço uma fauna muito representativa da diversidade brasileira. Para garantir essa representatividade, os espécimes expostos passam por uma seleção que acontece a cada quatro anos: as eleições para deputado ou senador.
Em alguns países, como nos EUA, a eleição para a Câmara é como uma competição de 100 metros rasos - cada cadeira representa um distrito, disputado por alguns poucos candidatos próximos ao eleitor. Em outros países, como a Espanha, é como uma prova de equipe - vota-se num partido, que apresenta uma proposta política. Já no Brasil, temos uma ultramaratona. São milhares de candidatos disputando as cadeiras de um Estado inteiro, cada um correndo por si. Segundo o cientista político Barry Ames, da Universidade de Pittsburgh, esse nosso sistema dá espaço para quatro tipos de candidatos - e nenhum deles é aquele seu amigo talentoso. Vamos chamá-los de Líderes de Entidade, Burocratas, Caciques e Pastores.
Em regiões metropolitanas, quem tem mais chance são os Líderes de Entidades: sindicatos, federação de indústrias, associações de comerciantes e conselhos de profissionais. Essas entidades se organizam em torno dos interesses de sua categoria e lançam líderes para defendê-los em Brasília. Já em campanhas espalhadas pelo Estado, ganham uma vantagem tremenda os Burocratas, como os secretários de educação ou saúde. Eles são figuras que, por terem ocupado cargos estratégicos no Executivo, têm uma grande exposição para a população - e acabam lembrados na hora das urnas.
Agora, no eleitorado de municípios menores, quem ganha são os Caciques - geralmente, membros de famílias políticas tradicionais na região. Uma vez no poder, elas conseguem fortalecer sua influência alimentando seu curral eleitoral com verbas federais. E, por fim, há uma última possibilidade: juntar votos de algumas poucas pessoas que tenham algo em comum, mas que estejam espalhados por todo o Estado. A princípio, isso vale para qualquer minoria - vegetarianos, correntes ideológicas radicais, descendentes de imigrantes, LGBTs... Mas para se eleger é preciso mais do que uma identidade. É necessário ter líderes, uma estrutura de campanha e uma rede de seguidores. Hoje, quem tem isso mais bem organizado são os pastores de igrejas evangélicas.
Essa divisão tem um problema sério: o poder se torna um incentivo por si mesmo. Só será eleito quem já tiver poder. Afinal, como competir com um burocrata que tem a máquina pública a seu lado? Ou com um líder religioso que controla as almas de seu rebanho? Diante do moto-perpétuo político, não há espaço para pessoas com talento, nem para os interesses do cidadão comum. Assim, a política deixa de ser um lugar para a discussão de ideias ou para a construção de um país melhor - ela apenas serve para manter as antigas e duvidosas estruturas. Ou seja, melhorar a nossa vida não necessariamente está em debate por lá.
Fonte: Maurício Horta/Super
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