Muitas das centenas de milhares de edificações que desabaram nos terremotos que vêm sacudindo o Nepal desde o dia 25 de abril, compartilhavam uma característica: telhados pesados.
O colapso de construções na capital, Katmandu, e em áreas vizinhas contribuiu imensamente para o grande número de mortos, que agora já se aproxima de 10 mil.
A massiva destruição de edifícios com o mesmo tipo de falha contribuiu para a morte 200 mil pessoas no terremoto que abalou o Haiti em 2010, mais de 80 mil no sismo de 2008 na China; e pelo menos outras 80 mil no Paquistão em 2005, para citar apenas algumas das catástrofes mortíferas mais recentes desse gênero.
Comparativamente, em 2010, quando o Chile foi atingido por um tremor 10 vezes mais forte que o grande sismo nepalês de 25 de abril, cerca de 500 pessoas morreram.
Essa enorme diferença é simples de explicar:
O Chile investiu mais dinheiro em tecnologia de construção apropriada e garantiu que as pessoas construíssem adequadamente após um calamitoso terremoto [de magnitude 9,5 na escala Richter, o maior já registrado] em Valdivia, em 1960.
A abordagem chilena prova que é possível construir estruturas capazes de reduzir drasticamente a perda de vidas em abalos sísmicos muito fortes; mas implementar esses métodos continua sendo um desafio em grande parte do mundo.
“A natureza humana parece favorecer quase que universalmente o mais rápido e mais barato, especialmente quando se consideram consequências relativamente raras”, criticou William Holmes, um engenheiro estrutural da firma de engenharia Rutherford + Chekene (R&C), com sede em São Francisco, na Califórnia.
De acordo com ele, a corrupção agrava essa propensão ao rápido e barato porque muitos construtores submetem propostas fraudulentas [em licitações], a construção é apressada e tanto autoridades como engenheiros são subornados ou simplesmente estão ocupados demais para supervisionar e fiscalizar se novas edificações atendem aos padrões de segurança.
“A grande maioria dos países dispõe de códigos de construção que melhorariam significativamente o desempenho se fossem aplicados”, acrescentou Holmes.
A engenheira civil Elizabeth Hausler Strand, a empreendedora social por trás da organização Build Change, que promove trabalhos assistenciais de prevenção, treinamento e construções melhores e mais reforçadas tem uma explicação mais simples ainda:
“Se as pessoas não têm o dinheiro para construir um edifício seguro, então elas não fazem isso”.
O Nepal tem um código de construção desde 1994. Mas a fiscalização é negligente ou inexistente.
Telhados de zinco sustentados por colunas de concreto reforçado por vergalhões de aço continuam sendo a norma, em vez da combinação mais tradicional, e mais resistente a terremotos, de suportes e vigamentos de madeira para construções de tijolos.
Quando os inflexíveis concreto e aço substituem a madeira “maleável”, especialmente concreto e aço que não são produzidos nem reforçados adequadamente como no Nepal, os edifícios simplesmente desabam sobre as pessoas que estão lá dentro quando o chão se move.
“Alvenaria é um material muito inapropriado em um terremoto”, explica Hausler Strand. “Uma vez que racha, ela não tem mais capacidade para absorver energia”, assim como um pedaço de giz se quebra sob pressão enquanto um ramo de árvore se curva.
Mas madeira tornou-se um material de construção raro no Nepal e em alguns outros países devido à superexploração florestal. As florestas que ainda restam agora são protegidas.
Técnicas de construção aprimoradas podem ajudar quando não há madeira.
Hausler Strand, por exemplo, tem sua própria regra dos três Cs: configuração, conexões e construção.
No Nepal, os edifícios que desabaram tendiam a ter configurações ruins.
Em prédios de vários andares, pavimentos térreos “ocos”, utilizados como lojas ou estabelecimentos comerciais, sustentavam os andares muito mais pesados acima, onde as pessoas viviam.
Muros de sustentação (ou suporte) poderiam ajudar nesse caso, mas isso reduziria o espaço varejista.
Colunas mais rijas e resistentes seriam a única alternativa para proporcionar espaço para lojas e mais força estrutural, opina Hausler Strand.
“O primeiro passo é escutar os proprietários da casa/residência”, acrescenta ela. “Se a arquitetura não for o que eles querem, então eles não ouvirão [o que temos a dizer sobre] construir segurança”.
Simplesmente revestir vergalhões com vergalhões; ou seja, revestir aço com aço dentro do concreto, é suficiente para reforçar um prédio para que ele resista à maioria dos terremotos. Isso seria um exemplo de boa construção.
Além disso, tijolos e blocos de concreto têm de ser produzidos da melhor maneira possível.
Isso quer dizer: usar uma temperatura suficientemente alta para a queima dos tijolos ou blocos; utilizar a quantidade certa de cimento e agregados [materiais que são adicionados à massa de cimento e água para lhe dar “corpo”] para moldar os blocos, e reservar tempo suficiente para que eles endurecerem adequadamente.
Garantir que seja colocada argamassa entre cada peça de alvenaria ou que elas pelo menos sejam conectadas mais firmemente por meio de um revestimento de reboco proporciona força/resistência adicional.
Mas tudo isso custa dinheiro.
“Você tem de convencer o dono da casa a investir nisso ou fornecer um subsídio”, salienta Hausler Strand.
A ideia não é garantir que edifícios emerjam intactos [de um abalo sísmico], mas que os colapsos de construções não se tornem “armas de destruição em massa”.
Foi essa expressão que o geólogo Roger Bilham da University of Colorado em Boulder e o cientista da computação Vinod Gaur do Instituto CSIR Fourth Paradigm, em Bangalore, na Índia, usaram em um artigo sobre riscos de terremotos na região do Himalaia no periódico científico Science em 2013.
“Melhores estimativas de riscos sísmicos serão inúteis se governos consentirem com a persistência de práticas de construção desautorizadas e não seguras”, advertiram os autores.
“Para casas/habitações pequenas, a autoridade governamental está muito longe”, destaca Holmes. “Educação sobre como construir corretamente é o mais importante”.
Mas existem maneiras de promover construções melhores.
Uma ideia é usar o dinheiro à vista que o governo ofereceu para a reconstrução em parcelas como um incentivo para reconstruir adequadamente.
“Se você não seguir os padrões de construção, então não receberá o dinheiro”, resume Hausler Strand.
Mas essa abordagem requer que o governo tenha dinheiro a oferecer em primeiro lugar.
Na China pós-2008, o governo disponibilizou grandes volumes de recursos para a reconstrução, então o desafio foi garantir que ela fosse executada corretamente. A supervisão dos próprios donos de casas, que haviam sido treinados para saber o que observar em termos de construção boa ou ruim, parece ter ajudado.
Mas na Indonésia, após o tsunami de 2004, simplesmente não havia recurso disponível para reconstruir corretamente.
A esperança é que as lições da catástrofe no Nepal possam também inspirar prevenção em outros lugares, como os programas de modernização e aprimoramento que a Build Change está tentando implementar na Colômbia e Guatemala.
Na Colômbia, à medida que o nível de vida das pessoas melhora, elas acrescentam andares a suas casas. Estas adições não são construídas para resistir a um desastre como um terremoto; ainda assim novos pisos muitas vezes se projetam além das dimensões do pavimento térreo.
A Build Change está tentando acrescer colunas e vigas de sustentação a essas construções irregulares com a ajuda de um subsídio do governo, seguindo o exemplo do Chile.
A Turquia, por outro lado, está tratando de se preparar melhor para o seu próximo sismo ao modernizar e adaptar escolas para torná-las seguras em caso de terremoto.
A nação islâmica iniciou essa tarefa em 2000 e espera concluí-la até 2018.
Istambul concluiu um plano mestre antiterremoto, que incluiu fiscalizar e fazer cumprir os códigos de construção e fortalecer edifícios precários, abaixo do padrão, existentes.
Mas “há menos dinheiro disponível para prevenir desastres que para responder a eles”, queixou-se Hausler Strand. Ela salientou que, em três dias, a Build Change arrecadou mais dinheiro para o Nepal devastado pelo terremoto de abril do que conseguiu levantar nos últimos três meses para reestruturar escolas guatemaltecas.
É claro que nenhum edifício pode resistir a todos os desastres.
Construir com segurança para um eventual terremoto pode deixar uma estrutura mais vulnerável a outro tipo de catástrofe, como inundações ou o aumento do nível do mar somado a gigantescas ondas de tempestades.
Um telhado mais leve, que pode resistir melhor a um terremoto, talvez saia voando em uma poderosa tempestade com fortes ventos, como um ciclone tropical.
“Você tem de garantir que esteja tudo bem amarrado e interligado; o telhado à parede e os dois ao alicerce”, salienta Hausler Strand.
Mesmo se os edifícios reforçados sobreviverem a um terremoto e protegerem as pessoas em seus interiores, muitos desafios ainda podem se apresentar depois do evento — como o potencial de um tremor secundário (ou subsequente) como o que atingiu o Nepal em 12 de maio e que acabou de derrubar incontáveis edifícios já danificados.
Além dos potentes tremores secundários, a liquefação do solo, destruição dos sistemas de água e esgoto, o colapso de estradas e incêndios resultantes de infraestruturas elétricas ou canalizações de gás abaladas podem atrapalhar muito qualquer esforço de recuperação — tanto no mundo em desenvolvimento como nas cidades mais ricas do planeta.
Ainda assim, “a resiliência para os mais pobres certamente começaria por garantir que suas casas não desabem”, observa Holmes.
Fonte: David Biello/Scientific American