quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Políticos - Nos representam de verdade? Parte 3




DIA DA CAPIVARA Em fevereiro deste ano, o deputado catarinense Ronaldo Benedet (PMDB-SC) pediu o desarquivamento de um projeto de lei (PL) apresentado por ele e outros 126 colegas em setembro de 2013. Tratava-se de uma proposta de reforma política que, entre outras coisas, previa o fim do financiamento privado de campanha e uma espécie de recall para legisladores — os deputados poderiam ser afastados se os eleitores concluíssem que eles não estavam agindo de acordo com o que prometeram. O pedido de desarquivamento foi negado, e a explicação foi constrangedora: não havia como desarquivar um projeto que nunca tinha sido arquivado.

“Costumamos pedir o desarquivamento de nossos projetos quando iniciamos um novo mandato”, diz Benedet. “Talvez um assessor tenha incluído esse PL junto com os outros.” É comum que parlamentares não saibam exatamente em que pé estão seus projetos. Além de Benedet, outros sete deputados pediram o desarquivamento do PL 6.316 em fevereiro — e todos obviamente tiveram seus pedidos indeferidos pelo mesmo motivo. Mas foi Benedet o escolhido para ilustrar esta reportagem porque, de todos, ele foi o único que votou a favor do financiamento privado de campanha no final de maio, apenas três meses depois de tentar “ressuscitar” um projeto que defendia justamente o contrário. “Eu sou a favor do financiamento público, mas hoje ficou impossível aprová-lo na Câmara, porque somos massacrados pela mídia e a população não quer usar dinheiro público para pagar campanhas”, justifica o deputado. “Votei contra as doações de empresas a candidatos, mas, depois de uma conversa com os líderes do PMDB, resolvi votar a favor das doações para partidos.” Seria caso de recall?

“É curioso que as pessoas tenham aprendido rapidamente a reclamar quando um eletrodoméstico estraga ou a entrega do jornal atrasa, só que o sistema político não desperta o mesmo interesse”, diz Jairo Nicolau, pesquisador da UFRJ. Mas a verdade é que, se os 105.303 catarinenses que votaram em Benedet no ano passado — ou 105.302, descontando o próprio deputado — quisessem voltar atrás depois que ele “mudou de opinião” subitamente, tudo o que poderiam fazer seria xingar muito no Twitter. A democracia representativa não prevê qualquer contato direto entre eleitores e eleitos. “Existe um elemento elitista na defesa da manutenção da distância entre representantes e representados”, diz Luis Felipe Miguel, da UnB. “Precisamos ter mecanismos de interlocução capazes de permitir que os representantes respondam aos interesses que vão se formando na base inclusive ao longo dos mandatos.”

Curiosamente, o PL 6.316, que Benedet e os colegas tentaram desarquivar, é fruto de um dos raros “mecanismos de interlocução” que existem hoje entre a sociedade e o Congresso. Trata-se dos chamados “projetos de lei de iniciativa popular”. Digamos que você queira criar o Dia Nacional da Capivara. Se conseguir a assinatura de 1% dos eleitores brasileiros, algo como 1,5 milhão de pessoas, você pode “obrigar” a Câmara a debater sua proposta. Parece bom. Mas aí sempre pode acontecer o mesmo que aconteceu com o PL 6.316: nada.

O projeto, organizado por entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), foi levado ao plenário em 2013 pela então deputada Luiza Erundina. Desde então, ele está mofando em algum canto da Câmara — aparentemente com a condescendência do presidente Eduardo Cunha. “Vamos exigir que o PL 6.316 seja apreciado, apesar de o presidente [Cunha] o desvalorizar a ponto de ter dito, em reunião de líderes, que ‘assinatura de apoio qualquer um pega na esquina’”, afirma o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ). Um dos idealizadores do projeto, o jurista Ives Gandra Martins, da OAB, acha que ele só tem chances reais de ser apreciado se houver pressão popular: “Só com manifestações de rua teremos uma reforma política adequada. Os políticos não aprovariam por conta própria mudanças em leis que os beneficiam”.

LASCADOS. Desde os tempos da Grécia Antiga, a democracia por definição pressupõe a igualdade política de todos os cidadãos. Mas o sistema representativo divide automaticamente a população em um pequeno grupo de tomadores de decisões e um grande conjunto de governados cuja influência sobre essas decisões é quase nula. “A igualdade de voto não consegue se traduzir em igualdade de representação, e muito menos de influência política”, diz Luis Felipe Miguel.

Hoje, cientistas políticos e ativistas do mundo todo buscam formas de tornar a democracia representativa um pouco mais participativa. “Precisamos criar instituições mais abertas às demandas das ruas. O parlamento está longe de esgotar toda a representação da sociedade, e os partidos também”, diz Chico Alencar.




Na Espanha, o partido Podemos, criado no início do ano passado por professores universitários, reuniu mais de 100 mil filiados em 20 dias e conseguiu eleger cinco representantes para o Parlamento Europeu poucos meses depois da sua fundação. A estrutura do Podemos reproduz o sistema grego da antiguidade: todos os filiados se reúnem em assembleias pelo país e ajudam a decidir tanto os candidatos quanto as posições do partido em relação a determinados assuntos. Além das assembleias, voluntários — filiados ou não — também se reúnem em “círculos”, grupos de discussão que debatem questões que podem ser territoriais (relativas a um bairro ou cidade) ou setoriais (condições de trabalho de uma categoria específica, por exemplo) e repassam suas conclusões à cúpula do partido.

Já o Partido de la Red, da Argentina, tem uma pro­posta um tantinho mais radical: a ideia é que os eleitores escolham não um representante, mas um “delegado” que estará no Congresso apenas para votar de acordo com o que foi decidido pela maioria em discussões feitas pela internet. Essas discussões acontecem em uma plataforma de código aberto chamada DemocracyOS, criada pela desenvolvedora argentina Pia Mancini. Além do Partido de la Red, a Legislatura de Buenos Aires, o equivalente da nossa Câmara de Vereadores, também aderiu à plataforma para pedir a opinião da população sobre assuntos como o horário de funcionamento do metrô e a criação do Dia da Trabalhadora Sexual.

Se ainda não foi encontrada uma solução definitiva para a crise da democracia representativa, o Podemos e o Partido de la Red surgem como alternativas para tornar a relação de poder entre os eleitores e seus representantes um pouco menos desigual. “Sempre será necessário ampliar a capacidade de supervisão dos representados sobre os representantes, não só porque isso contribui para a promoção da igualdade política, mas sobretudo por uma questão de realismo”, explica Luis Felipe Miguel. “Só há uma lei universalmente válida que a ciência política foi capaz de estabelecer em toda a sua história: se dependermos da boa vontade de quem tem poder sobre nós, estamos lascados.”






Fonte: CRISTINE KIST E THIAGO TANJI/Galileu

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