Os conceitos de vida eterna e ressureição têm significados diferentes para a Igreja e Ciência. Enquanto que para a primeira doutrina a vida eterna é alcançada após a morte, não em forma física (corpo), mas espiritual e o poder da ressureição está em Deus e em Cristo, a Ciência busca uma forma diferente de imortalidade, ou pelo menos de prolongar nossa passagem pela terra, através dos avanços na tecnologia e da medicina.
Sem desmerecer nenhum tipo de crença, a verdade é que a imortalidade tem sido objeto de fascínio da humanidade ao longo da história. A ideia de vencer algo tão temido quanto a morte permeia o desejo de muitos homens. De frente com ela o ser humano se agarra ao que lhe convém, seja religião ou ciência. Agora imagine só você ter a chance de após a sua morte, ser ressuscitado muito tempo depois e acordar no futuro?
Assustador para alguns, excitante a outros. Muito explorada em filmes e livros de ficção científica esta ideia de voltar à vida após a morte e ainda acordar no futuro distante e ter a oportunidade de presenciar a chamada evolução, poderá ser possível graças a Criogenia ou melhor, a Criônica. Para você entender melhor do que se trata, a seguir vamos ver o conceito de cada uma.
Criogenia é a ciência que estuda as tecnologias capazes de produzir temperaturas extremamente baixas e o comportamento dos elementos e materiais que são submetidos a esta técnica, explorando os efeitos de transferência térmica entre um agente e o meio. Já a Criônica, erroneamente também chamada de Criogenia, é a técnica de manter cadáveres congelados por anos a fio para no futuro ressuscitá-los.
Cientistas acreditam que mantendo os corpos congelados, posteriormente outros profissionais do ramo poderão descobrir a cura para a doença causadora da morte destas pessoas. Desta forma os cadáveres poderão ser descongelados e trazidos de volta à vida.
A ideia parece ser fantástica. Após a morte, os médicos lhe colocam em um tanque de nitrogênio líquido, em temperaturas extremamente baixas, de forma que o cadáver não irá apodrecer. Daqui a 150, 200, 300 anos, cientistas descobrem um jeito de combater a doença que lhe levou a óbito, te degelam e voilá, você estará vivo novamente, não importa quanto tempo tenha se passado desde a última vez que você viu a luz do dia.
Mas na realidade o processo está longe de ser assim, tão simples. Embora existam instituições especializadas em criônica há anos, ainda faltam tecnologias capazes de ressuscitar os corpos. Isto porque os próprios métodos utilizados no processo de congelamento de uma pessoa causam danos às células. Estragos estes que só podem ser reparados com tecnologias que ainda não foram inventadas. Por enquanto, o congelamento não funciona com pessoas porque o líquido que compõe as células vira gelo, aumentando de tamanho e fazendo-as trincar.
Mas a técnica de Criônica já é utilizada com sucesso em alguns casos como no congelamento de embriões. Óvulos fecundados podem ficar na “geladeira” por algum tempo, tendo boas chances de sobreviver ao descongelamento. Estima-se que cerca de 60% conseguem vingar, dando origem a um bebê saudável. Isto é possível porque nos embriões congelados a criação de cristais de gelo, responsável por fazer as células trincar, é evitada com a aplicação de substâncias químicas, isto impede que as paredes celulares se danifiquem.
O procedimento não é possível de ser realizado em seres humanos desenvolvidos porque cada tipo de célula exige uma substância protetora diferente e muitas delas ainda não foram inventadas.
Como funciona
Quando uma pessoa é considerada legalmente morta, ou seja, seu coração deixa de bater, e ela está cadastrada em uma instituição que realize o procedimento, um funcionário da empresa de criogenia prontamente irá estabilizar o corpo e fornecer oxigênio suficiente para seu cérebro e seu sangue, de forma que o morto continue apresentando algumas funções vitais. O profissional então resfria o cadáver com gelo. A temperatura pouco acima de 0 °C já é suficiente para evitar, por algum tempo, que o corpo apodreça.
Nesta mesma fase, o cadáver também recebe uma injeção de anticoagulante, para manter os vasos sanguíneos desobstruídos. Após, todo o sangue é bombeado para fora e em seu lugar são aplicadas as substâncias químicas que evitarão o desenvolvimento de parte dos cristais de gelo, responsáveis por romper a estrutura celular.
O corpo então é levado para o local em que será congelado. Lá ele passa por um resfriamento gradual, em uma câmara de gelo seco. A intenção é que todos os tecidos se congelem seguindo o mesmo ritmo. Todo processo ocorre de maneira lenta, podendo durar até dois dias. O resfriamento é necessário para evitar danos na pele, músculos e órgãos vitais.
Após o resfriamento, o corpo será submergido lentamente em um tanque de nitrogênio líquido, até ficar totalmente coberto. Ao final desta fase o cadáver estará a - 196 °C, o que o impede de apodrecer. Ele ficará lá até que alguém consiga desenvolver uma tecnologia capaz de lhe trazer de volta à vida.
Possibilidade para poucos
Se você está disposto a tentar a sorte e ser congelado na esperança de um dia poder voltar a viver, terá que estar disposto também a desembolsar alguns milhares, de dólares. É literalmente, pagar para ver. Atualmente existem clínicas que realizam o procedimento nos Estados Unidos e na Rússia.
No Instituto Crynics, pioneiro no ramo, localizado nos Estados Unidos, o custo para se ter o corpo congelado é de US$ 28.000 (algo em torno de R$ 99.400, seguindo a cotação atual). E se você não quiser acordar sozinho, pode levar um animal de estimação junto. Na Crynics pode- se fazer a criopreservação de um gato, cão ou pássaro. O valor do procedimento realizado com um gato ou cão é de US$ 5.800 (cerca de R$ 20.500), sem contar as despesas de transporte e veterinário. Para um pássaro de estimação de tamanho típico é cobrado o preço de US$ 1.000, mas o preço pode ser maior se a ave for grande. É importante ressaltar que nos valores da criopreservação dos pets não está incluso o custo de adesão.
Outra empresa que realiza o processo de criônica é a Alcor, também localizada nos Estados Unidos. Se os valores da Crynics já são salgados, os da Alcor são ainda mais caros. O custo variará de acordo com o seu método de financiamento (seguro de vida, dinheiro pré-pago ou equivalente, confiança ou anuidade). Mas o instituto também oferece a opção de congelar só a cabeça (o intuito é conservar o cérebro e no futuro religá-lo a outro corpo). Os níveis de financiamento mínimos atuias são: US$ 200.000 para a criopreservação do corpo todo (cerca de R$ 710.000) e de US$ 80.000 para a cabeça ( cerca de R$ 284 mil).
Como surgiu?
Pode parecer estranho, mas a ideia de congelar corpos para ressuscitá-los no futuro não surgiu recentemente, mas lá na década de 60, com o professor de Física e Matemática, Robert Ettinger, por isso Ettinger é conhecido como o "pai da criogenia". Ele escreveu e publicou o livro "The Prospect of Immortality" (Uma Perspectiva de Imortalidade). Neste mesmo período fundou o Instituto de Criônica e a Sociedade Imortalista nos Estados Unidos. Sua inspiração veio de um livro de ficção científica publicado em 1931, chamado "The Jameson Satellite", ou O satélite Jameson.
A primeira pessoa a ser congelada foi o professor de psicologia James Hiram Bedford. Após sua morte em 1967, seu corpo foi colocado em uma câmara de nitrogênio líquido, no Instituto Alcor, onde permanece até hoje.
Na década de 90 conseguiu-se um grande avanço para o processo de congelamento, com a invenção da vitrificação. Antes de ser congelado o corpo recebia uma série de injeções químicas que fazia com que os cristais formados no processo fossem de vidro e não de gelo, sendo estes mais prejudiciais para as células. Com a vitrificação, reduziu-se o dano celular, mas ainda deve-se solucionar o problema da toxidade destes elementos, antes do indivíduo ser ressuscitado. Tecnologia esta que precisa ser criada.
Em 2011, Robert Ettinger faleceu e teve seu corpo congelado nas câmaras do Instituto Criônico de Detroid, sendo o 106º a ser internado no local.
Muita gente, inclusive médicos e cientistas são céticos quanto a capacidade de se trazer alguém de volta à vida. Afinal, se as pessoas estão mortas, como elas poderão reviver no futuro? Mas a criônica não é uma teoria completamente infundada. Ela começou a partir das histórias de cidadãos que sobreviveram depois de passar muito tempo debaixo de lagos congelados. Alguns registros médicos apontam que indivíduos caíram em águas de baixa temperatura e não conseguiram imergir devido a camada de gelo. Estas pessoas passaram quase uma hora sem respirar devido a redução de seu metabolismo e funções cerebrais, mas se mantiveram vivos, funcionando em um estado em que quase não precisavam de oxigênio.
A maior parte das pessoas submetidas a este tipo de situação morreriam, mas foram estes sobreviventes que inspiraram os cientistas a acreditarem nesta ideia. Contudo, um fator importante que deve ser considerado é que o atual processo de criônica é diferente destes casos, pois as pessoas em estado de suspensão criogênica precisam antes ser consideradas legalmente mortas.
O que legalmente morto?
É proibido realizar o processo de criônica em um indivíduo vivo. Todas as pessoas que estão nas câmaras de nitrogênio tiveram que ser consideradas oficialmente mortas para participarem do processo. A morte legal ocorre quando o coração deixa de bater, no entanto o corpo ainda apresenta algumas funções cerebrais. Os criônicos acreditam que preservar este estado mínimo de atividade do cérebro já é o suficiente para conseguir trazer a pessoa de volta à vida. A morte total é definida quando as funções cerebrais cessam.
Desafios e experimentos em animais
Os casos que comprovam que o processo de criônica pode dar certo foram realizados com seres ainda vivos (no caso das pessoas congeladas nos lagos e nos embriões), o que soa como algo problemático para os cientistas que se dedicam a esta técnica. No entanto, a confirmação de que organismos vivos foram descongelados com sucesso já é considerada como grande avaço para este campo de estudo.
É preciso ainda descobrir como conseguir a plena revivificação das células neurais. Os cientistas têm avançado nessa área e, inclusive, já conseguiram trazer de volta algumas redes de neurônios sem danos aparentes. Seguindo esta mesma via, o hipocampo de um rato foi completamente trazido de volta após o animal ter sido congelado.
Como o congelamento de seres humanos ainda vivos é proibido, cientistas realizam testes em animais. Alguns experimentos já conseguiram congelar e reviver mamíferos desde a década de 50. Por exemplo este: em que ratos que foram colocados em containers com nitrogênio líquido foram trazidos de volta à vida através de um aquecimento especializado, choques elétricos para reativar os músculos e respiração artifical. Nem todos os testes deram certo e alguns roedores apresentaram problemas, como infertilidade ou redução no tempo de vida. O mesmo aconteceu com macacos, que chegaram a ser ressuscitados, mas faleceram no mesmo dia.
Porém, experimentos que reduziram a temperatura de mamíferos a pontos pouco antes do congelamento, diminuindo drasticamente o metabolismo destes animais tiveram sucesso com porcos, que possuem órgãos e uma massa similar à nossa.
Polêmicas
Não é de hoje que Ciência e Religião sustentam ideias diferentes. Veja bem, não estou dizendo que é necessário deixar de acreditar em uma para seguir os preceitos da outra, mas em muitos casos, elas se confrontam. Com um asssunto tão polêmico quanto a morte, não poderia ser diferente. Enquanto há pessoas que já estão cadastradas para terem seus corpos congelados, outras são completamente contra a medida por afirmar que com isso é impossível que a pessoa alcance o descanso eterno, pois para isso ela precisaria ser enterrada, cremada, enfim, passar por algum ritual de acordo com sua doutrina, isto seguindo preceitos religiosos.
Além disso, na maioria das religiões acredita-se que o ser humano é formado por uma parte material (corpo) e uma não física (alma ou espírito). Após a morte o espírito encaminha-se ao descanso eterno, logo, como seria possível que esta parte abstrata voltasse após a morte? Se o corpo retornasse à vida, seria ele a mesma pessoa? Este ser teria alma? Muitas questões religiosas apresentam motivos para descordar da prática de congelamento de corpos, mas em contrapartida há quem diga que não se pode impedir o avanço da ciência. A opinião é algo muito pessoal e cada um sabe o que é melhor para si e no quê quer acreditar.
Esta discussão, inclusive, já virou motivo de discórdia entre familiares. Há alguns anos foi notícia em muitos veículos de comunicação uma briga travada entre irmãs. Enquanto a mais nova queria que o corpo do pai fosse preservado pela criogenia, alegando que este era um desejo do homem, as mais velhas queriam sepultá-lo em Canoas, dizendo desconhecerem esta vontade do pai. O caso foi parar na Justiça.
É errado afirmar que a divisão de opiniões está atrelada apenas entre religiosos e aqueles que acreditam nos avanços da ciência. Há ainda, aquelas pessoas que apenas não acreditam no método criônica, sentem-se indiferentes em relação a técnica ou acham que não vale a pena querer volta à vida depois de tanto tempo.
Afinal, a possibilidade de reviver no futuro envolve outras questões que vão além da dúvida se isso é possível ou não. Digamos que no futuro cientistas conseguigam trazer um homem de volta à vida. Como ele irá se manter financeiramente em uma época tão distante da que viveu? Será possível se sustentar? Buscando solucionar este problema, os institutos que trabalham com criogenia para pessoas estão criando fundos de investimento com o dinheiro de seus clientes. O objetivo é produzir uma renda que banque os custos com a manutenção dos corpos, além de acumular algumas quantias para aqueles que forem ressuscitados.
Porém, mesmo com dinheiro, outros problemas de ordem social podem atingir estas pessoas despertadas em uma nova era. Uma das dificuldades pode ser a adaptação em um período tão distante da época em que ela viveu. Como serão as novas tecnologias? Quais serão as mudanças? Será que é possível se adaptar a elas? Tomemos como exemplo a atualidade, as gerações mais velhas muitas vezes se sentem deslocadas, tanto em relação a cultura, quanto referente a tecnologia. Agora imagine só alguém que morreu no século 20, acordar daqui a um, dois ou três séculos? Mesmo que se tenha vontade e curiosidade para visitar este futuro, será que teríamos as habilidades necessárias para sobreviver nele?
fonte: Débora P. Silveira/Oficina da Net.
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