quarta-feira, 20 de junho de 2012

Iniciativa Inovadora Para Acabar Com A Violência Contra A Mulher



Desde 2011, Porto Alegre registra um índice alarmante: um homem é preso por dia por agressão doméstica - física ou psicológica. As ocorrências viraram processos. Boa parte das contas começa a ser acertada com a Justiça. É quando a mulher começa a ser acolhida, atendida, amparada.
Mas e o homem? Quem o trata? Em uma reportagem, publicada pelo jornal Diário Gaúcho, revela uma iniciativa inovadora no Estado do Rio Grande do Sul. O agressores são convocados a relatar seus crimes, diante de psicólogos, dividindo experiências. Autoridades garantem que essa roda de conversa dá bons resultados.
Todos os dias, dezenas abrem a mesma porta: a da Delegacia para a Mulher de Porto Alegre. A maioria não tem olho roxo ou mão enfaixada. Afinal, violência doméstica é mais do que tapas: é ameaça verbal, xingamento e humilhação diante de outras pessoas. Pode doer mais do que um soco, com risco de nunca cicatrizar.
A maioria das mulheres que ocupam as cadeiras no plantão da delegacia não suporta mais a tortura e a desonra.
- Elas devem comparecer à DP já na primeira ameaça - recomenda a delegada titular, Nadine Anflor.
Em casos extremos, a história acaba em morte.
- No momento em que a vítima aceita a agressão, fica vulnerável a uma violência maior - avisa a delegada-adjunta Flávia Faccini.
Mesmo feridas, umas fraquejam
Para as policiais, a média de um homem preso por dia desde o ano passado, só em Porto Alegre, tem também uma explicação cultural. O vô que batia na vó, o pai que batia na mãe, o marido que agora bate na mulher. Os exemplos vão se reproduzindo como se fossem o correto. O homem bate nos filhos para que o respeitem, e bate na mulher também.
- É o sentimento de posse que eles têm. Não tem nada de passional, não é por paixão: é por posse - assegura Nadine.
O sentimento de posse é tamanho que comprova o maior índice de crimes contra a vida: quando elas anunciam a separação. Nadine diz:
- Aí vem o discurso do "se ela não vai ser minha, não vai ser de mais ninguém".
Mesmo após a agressão, algumas fraquejam.
- Elas desistem do procedimento acreditando que eles vão mudar - lamenta a policial.

Números
303- homens foram presos em flagrante em 2011
91 - prisões preventivas
394 - no total (média de 1,07 por dia)
11.733 - ocorrências em Porto Alegre
Casos neste ano:
Janeiro - 28
Fevereiro - 33
Março - 30
Abril - 28
Maio - 29
O dilema após a retirada do lar

Como o homem pode fugir dos exemplos que vivenciou a vida inteira, e que o estimula a ser violento? Se tem droga no meio, pior. Ele grita, ameaça, agride.
Cansada, a mulher vai até uma delegacia e pede que tirem o homem de casa. Dependendo da gravidade, um juiz determina o afastamento do lar.
De uma hora para outra, não pode mais entrar no lar. As roupas ficarão lá, a cama, os filhos... Mas ele não pode se aproximar.
- Os valores invertidos
Mesmo com a medida, algumas mulheres telefonam, pedem encontro. E aí?
- No meio disso tem os valores invertidos. Quando elas contam para a mãe ou para a vó sobre a violência que sofreram, recebem como resposta "mas ele é homem". Algumas chegam a pensar que, se ele bate, é porque ama. Se não bate, é porque não ama mais - testemunha o estudante de Direito e voluntário nos Grupos de Reflexão sobre Violência Doméstica, Rodrigo Feijó Rodrigues.
Eles também precisam ser tratados, alerta juíza
Se um casal está em crise, adianta tratar só a mulher? Esse é o questionamento da juíza Madgéli Frantz Machado, citando a Lei Maria da Penha - que prevê amparo às duas partes envolvidas em violência doméstica que cause morte, lesão, violência física, sexual, psicológica, moral ou patrimonial.
- Tem os dois lados. Tem de tratar elas e eles também - defende Madgéli.
Atualmente, três juízes trabalham no Juizado da Violência Doméstica da Capital. Cada um é responsável por cerca de 300 processos mensais. O acumulado da semana passada era de 15 mil processos.
Você é vítima?
Perguntas e respostas:
- Você tem medo de seu companheiro? É o primeiro sinal de que algo está muito errado.
- Foi chamada de vagabunda? Isso é crime de injúria.
- Ele lhe persegue na rua ou no trabalho, não para de telefonar? Então, é vítima de agressão psicológica.
Sinais de tortura no lar:
- Intimidação com arma de fogo ou faca
- Obrigação de manter relação sexual
- Vigilância sobre a rotina
- Controle sobre objetos e documentos
MÃOS CRUZADAS: PAUSA PARA REFLETIR
Eles sentam num pequeno círculo e repousam as mãos cruzadas sobre as pernas. Ali estão três homens sob a mesma acusação: violência doméstica. Os três desrespeitaram a medida de afastamento. Estão na sala 602A do Fórum Central de Porto Alegre, onde a psicóloga Ivete Machado Vargas lidera uma equipe do Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher.
- De início, dois estão acuados
Desde novembro, Ivete organiza as rodas, batizadas de Grupos de Reflexão. É a ação que a Justiça encontrou para os agressores refletirem. É um convite que se faz em troca da suspensão no processo.
Na roda que o Diário Gaúcho acompanhou, dos três homens, dois, de início, mostraram-se contrariados (um não aceitou ser fotografado, mesmo que os rostos e os nomes estejam preservados para não expor as vítimas).
Aos poucos, notam que o exemplo do outro pode ser positivo.
- Percebemos a mudança de postura neles - avalia Ivete.
Processo pode até ser arquivado
Os alvos da atividade são os que tem bons antecedentes. Em vez de uma denúncia, o promotor oferece tratamento. O agressor que frequenta 12 encontros e se mantém longe da mulher por dois anos tem o processo arquivado.
- Alguns entram mudos e saem calados, mas outros falam. Eles não sabem a quem recorrer e a raiva aumenta - diz Rodrigo.
Abaixo, três histórias da roda: de um policial, de um pedreiro e de um perito. As mãos calmas em nada lembram as que agridem.
"Preciso aprender a controlar essa fúria"
Uma panela. Segundo o relato do pedreiro de 47 anos, foi tudo culpa da panela. A mulher não permitia que ele cozinhasse com a dela. Ele comprou uma. Aí, ela usou a dele. Foi a gota d'água:
- Não sei como lidar. Quando explodo, explodo mesmo.
Naquele dia, perdeu as estribeiras. Admite que pegou a panela com óleo e a jogou com força no chão. Mas o utensílio a atingiu - precisou levar pontos. E foi direto à delegacia.
Cinco semanas e três dias no inferno
Com uma medida protetiva, ele não pôde mais se aproximar da casa. Num dia de chuva, resolveu passar lá e pegar uma capa antes de ir trabalhar. Desrespeitou a medida. Acabou no Presídio Central. Ele lembra:
- Foram cinco semanas e três dias no inferno.
Agora, em grupo, está revendo algumas reações. Escuta, atento, os colegas e até dá conselhos.
- É uma oportunidade de ver o que motiva essa violência toda. Preciso aprender a controlar essa fúria que tem dentro de mim - confessa o pedreiro.
Ele nem precisou de muitos encontros para perceber que o segredo pode estar em dar uma voltar, respirar.
- No próximo relacionamento, já vou pensar antes. Se tiver fazendo mal pra mim, vou virar as costas e ir embora - promete.
"Só entendi que tinha terminado quando me vi dentro da delegacia"
O que para os juízes é uma oferta, o policial de 41 anos vê como uma imposição. Ele não queria estar no grupo de reflexão. Há dois anos, se mantém longe da ex-namorada. Está com outra. Mesmo contrariado, reconhece: o relato dos outros o faz pensar.
Acostumado a deter criminosos, o homem viu como humilhação o fato de ele ser o algemado da vez. Foi denunciado pela namorada da época. Ele não aceitava o fim do relacionamento. Não ia sossegar até saber o porquê.
Uma questão de temperamento
- Só entendi que tinha terminado quando me vi dentro da delegacia - reflete.
Para ele, o problema está no fato de muito homens não saberem onde procurar apoio. E também no temperamento de algumas mulheres.
- O homem chega cansado e quer ser bem tratado. Não entende também a questão biológica dela. Tenho um amigo que a mulher se revoltou porque ele não tinha percebido que ela tinha cortado o cabelo - resume.
"Foi uma coisinha de casa"
Aos 82 anos, o perito aposentado não se conforma em de ter de dispensar uma tarde por semana para frequentar o grupo de reflexão. Mesmo que seja uma hora apenas, ele não se convence.
- Eu não sei por que estou aqui. Foi coisinha de dentro de casa. Não foi grande coisa - desconversa.
Mas a Justiça sabe o motivo de sua participação na roda. E a mãe do filho, também. Apavorada com as ameaças do ex-marido, ela decidiu procurar a polícia antes que algo pior pudesse acontecer.
Ele a chama de danada
Aos poucos, o perito aposentado começa a explicar.
- Ela (ex-mulher) não queria deixar eu ver meu filho. Um dia, fui lá e ela não queria me deixar entrar. Se alterou e eu me alterei também. Danada ela, eu só queria visitar meu filho - protesta, sem dar detalhes.
Passo a passo
- Acuada pela violência, a mulher deve ir a uma delegacia. Lá será registrada uma ocorrência policial. Gravataí, Novo Hamburgo, Canoas e Porto Alegre tem DPs específicas. Na Capital, o atendimento é no Palácio da Polícia. Telefone: 3288-2172. Informações também podem ser obtidas no 0800-541-0803.
- Dependendo da gravidade, a delegada pode pedir uma medida protetiva contra o homem para afastá-lo da vítima (normalmente com limite de 100m).
- Quem decidirá sobre o afastamento será um juiz. No ofício que a delegada encaminhar para o Fórum, constará o relato da mulher.
- Se o agressor tiver sido conduzido até a delegacia, seguirá a versão dele também.
- O juiz avaliará o ocorrido, a gravidade das ameaças e das agressões. Verificará também os antecedentes do sujeito e a vida pregressa do casal.
- O juiz terá 48 horas para decidir se aplicará o afastamento ou não. Se ele ficar em dúvida, pode requisitar a presença do agressor para ouvir a sua versão.
- A medida protetiva é de urgência, considerando o risco iminente. Ela tem um prazo definido. Em Porto Alegre, por exemplo, os juízes costumam determinar o afastamento até a data da audiência.
- Na audiência, ele ouvirá as duas partes e definirá o futuro. Caso tenha um afastamento determinado contra si, o homem não poderá se aproximar dessa mulher.
- Os que desrespeitarem a decisão poderão ser presos em flagrante.
Fonte: delegada Marina Goetz
Diário Gaúcho

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