Estudo português identifica em vírus grande quantidade de segmentos de proteínas com propriedades antimicrobianas. A descoberta pode levar ao desenvolvimento de fármacos mais eficazes contra bactérias resistentes.
Os vírus, considerados a entidade mais abundante no mundo biológico, são fonte de grande quantidade de sequências de proteínas capazes de combater bactérias e que podem dar origem a fármacos inovadores.
Tradicionalmente considerados uma ameaça a todos os seres vivos, os vírus agora começam a ser vistos como aliados na medicina. Pesquisa recente mostra que proteínas virais podem dar origem a fármacos inovadores e mais eficazes para combater doenças causadas por bactérias. Essa descoberta surge como uma esperança para resolver o problema do aumento da resistência dos micróbios aos antibióticos convencionais.
O estudo, realizado no Instituto de Medicina Molecular (Lisboa) e publicado em 2015, demonstrou que, na estrutura dos vírus, há uma fonte abundante de segmentos específicos de proteínas com propriedades antimicrobianas. Esses segmentos podem dar origem a peptídeos eficazes contra bactérias.
Peptídeos com propriedades antimicrobianas já são vistos atualmente como potenciais alternativas aos antibióticos tradicionais, pois, ao contrário destes últimos, têm atividade de largo espectro contra bactérias, fungos, vírus e parasitas.
Esse grupo de moléculas pode ser encontrado em diversas formas de vida, desde microrganismos a plantas e animais. Mas só agora sequências peptídicas antimicrobianas obtidas a partir de proteínas virais estão sendo consideradas uma potencial ferramenta para a indústria farmacêutica e empresas de biotecnologia na tentativa de se desenvolverem fármacos antimicrobianos inovadores.
“Os peptídeos antimicrobianos parecem ser bastante eficazes e rápidos no combate a bactérias (matam em minutos) e os microrganismos muito dificilmente desenvolvem resistência contra eles”, destaca o autor da pesquisa, o bioquímico João Freire, atualmente pesquisador de pós-doutorado no Instituto Pasteur (Paris). Alguns peptídeos com propriedades antimicrobianas estão passando por testes clínicos e outros já são inclusive comercializados.
Os dados coletados no estudo português permitiram identificar 426 novos peptídeos com potencial antimicrobiano derivados de proteínas da estrutura de diversos vírus. Esse trabalho foi feito por meio da análise computacional de informações sobre vírus presentes em bancos de dados on-line. Dos peptídeos identificados, 15 foram selecionados para testes de eficácia contra 2 linhagens de bactérias, tendo obtido resultados promissores.
No mesmo estudo, essa ferramenta de análise computacional foi usada para identificar, em vários vírus, peptídeos capazes de transportar fármacos para o interior de células. A existência de moléculas com essa capacidade já havia sido descrita em estudo anterior, realizado em colaboração com pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A pesquisa serviu de base para a criação do projeto Inpact, uma colaboração internacional que tem como objetivo o desenvolvimento pré-clínico de novos fármacos específicos para determinados tipos de câncer e bactérias patogênicas.
Mina de ouro
João Freire ressalta que a identificação de novos agentes antimicrobianos a partir de fontes da natureza, como os vírus, é uma grande vantagem.
“Identificar proteínas antimicrobianas na natureza é ótimo, pois anos e anos de evolução serviram para otimizar cada aminoácido [unidade fundamental na formação de proteínas] que consta nessa proteína. Obviamente que esta pode ser melhorada, mas muito trabalho já foi poupado quando se começa da proteína, e não de uma biblioteca de sequências artificiais, por exemplo, que é fruto de todas as combinações de aminoácidos”, explica Freire, cujo lema se resume a aprender com os vírus, que, para ele, são sucessos da natureza.
Fonte: Revista Ciência.
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