Se você ainda não assistiu ao novo filme do Batman, assista
porque a trama é muito boa e focaliza os problemas modernos que afligem os
países capitalistas de uma maneira muito atual, com um roteiro muito bem
escrito e efeitos especiais excelentes.
O ator inglês Christian Bale veste bem os ternos Armani que
simbolizam os anos de prosperidade de Wall Street. Em 2000, no filme O
psicopata americano, ele foi o investidor yuppie Patrick Bateman. Narcisista e
violento, o personagem se tornou o símbolo perverso dos Estados Unidos do final
dos anos 1980, quando a prosperidade econômica do governo Ronald Reagan
impulsionava as Bolsas de Valores e produzia milionários da noite para o dia.
Agora, com O cavaleiro das trevas ressurge, que teve estréia
no dia 27 nos cinemas brasileiros, Bale volta a vestir ternos elegantes, mas
num cenário econômico distinto. Na pele do bilionário Bruce Wayne, ele depara
com uma população inflamada pela desigualdade social. Cidadãos ressentidos são
atraídos pelo vilão Bane (Tom Hardy), um terrorista carismático que alicia a
multidão para seu projeto de destruição de Gotham City com um discurso ao mesmo
tempo populista e intimidador. Sob o comando de Bane, a cidade vive uma espécie
de revolução criminosa, com julgamentos e execuções sumários, expropriações e
acerto de contas social.
A história fictícia tem correspondência no mundo real.
Trata-se de uma parábola dos embates sociais que se estenderam pelo fim do ano
passado no Parque Zuccotti, em Nova York, próximo a Wall Street – não por
coincidência, vizinho ao local escolhido para as filmagens. O personagem Bruce
Wayne, mesmo meio falido, faz parte do 1% de ricos e milionários que foram alvo
dos protestos Ocupe Wall Street. Os 99% excluídos de Gotham ficam na sombra,
assustados, ou se aliam aos criminosos que dominam a cidade. Formam uma massa
confusa e amorfa, que requer proteção e comando. Batman, a sua maneira
inarticulada e muscular, é o líder conservador que detém a revolução e restaura
a ordem. Um legítimo representante da elite econômica e moral da cidade. Nolan,
o diretor do filme, diz que sua principal influência para o roteiro foi o
romance Um conto de duas cidades, de 1859, do britânico Charles Dickens. O
livro, ambientado na Revolução Francesa de 1789, acompanha o impacto dos
acontecimentos históricos sobre a vida de personagens que pertencem a
diferentes grupos sociais – o aristocrata, o malandro, o miserável... As
multidões, ora inflamadas, ora submissas, conferem o pano de fundo contra o
qual a trama se desenrola. Da mesma forma, Nolan tentou fundir a complexidade
das lutas e dos interesses sociais aos dilemas morais e afetivos de seus
personagens. Em alguns momentos, com a ajuda de atores como Michael Caine,
Batmam ganha tons quase shakespearianos.O conflito social é o motor do filme, o
último de uma trilogia iniciada em 2005. A nova Mulher Gato, interpretada por Anne
Hathaway, veio de baixo na pirâmide. Filha de operários, ela rouba e seduz
milionários idiotas, movida por um vago propósito social. Seu lema é fazer os
abastados se arrepender de seus excessos. “Ela se encaixa perfeitamente em
nosso universo de personagens sombrios”, disse a produtora Emma Thomas,
mulher do diretor Christopher Nolan. “Você nunca sabe de que lado ela está.”
Numa das cenas mais simbólicas do filme, durante um baile de gala, ela encosta
a boca vermelha e sensual no ouvido de Wayne e sussurra: “Há uma tempestade
chegando. Quando ela nos atingir, vocês não entenderão como puderam viver com
tanta largueza e deixar tão pouco para o resto de nós”. A frase poderia ter
saído de um poema militante de Bertold Brecht. Para frear a avalanche criminosa
e social, Batman, pela primeira vez, se alia oficialmente à polícia. A mensagem
é clara: o Homem Morcego e a Justiça representam as forças capazes de vencer o
mal, encarnado pelo ativismo social.
Com ele, Nolan se consagra como o diretor que melhor
traduziu o personagem dos quadrinhos para o cinema. Foi o único capaz de captar
a essência violenta e triste do Homem Morcego. Traz, ao mesmo tempo, realismo e
modernidade para suas histórias. Agora, com O cavaleiro das trevas ressurge,
ele acrescentou a isso tudo um toque de profundidade que o maniqueísmo original
dos quadrinhos não tinha. Um Oscar para premiar a trilogia, e seu imenso
sucesso comercial não seria nenhuma surpresa!
Fonte: Guilherme Pavarin - Revista Época
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